A Inconfidência Mineira
Muito mais que uma
luta entre o bem e o mal, a Inconfidência Mineira foi a primeira tentativa de
rompimento dos laços com a Metrópole portuguesa. Enriquecidos pelas atividades
mineradoras na primeira metade do século XVIII, os habitantes de Minas Gerais
viam-se agora às voltas com a queda da extração de ouro e pedras preciosas e as
constantes ameaças de cobrança de tributos atrasados, o que opunha cada vez
mais o poder metropolitano aos interesses coloniais. Para Portugal, era
necessário recompor as finanças imperiais, abaladas na segunda metade do século
XVIII. Para os colonos, tornava-se difícil pagar as 100 arrobas anuais de ouro,
valor estipulado pela Coroa portuguesa como tributo da capitania. As dívidas
aumentavam na mesma proporção das ameaças. Nessa situação, o confronto era
inevitável. Paralelamente, muitos jovens, filhos da aristocracia local, foram
enviados às universidades européias, onde tomaram contato com as “perigosas”
idéias ilustradas e liberais. Alguns deles retornarem trazendo informações
sobre a recém-criada república norte-americana.
Em 1788 a Coroa nomeou Luís
Antônio Fortunato de Mendonça, Visconde de Barbacena, para o governo de Minas
Gerais. O novo governador recebeu ordens expressas de estabelecer a derrama, ou
seja, a cobrança das 100 arrobas anuais devidas à Metrópole, que recaída sobre
todos os habitantes da capitania. O anúncio das novas medidas acirrou os ânimos
e aprofundou a insatisfação vigente. Grande parte da elite econômica e
intelectual mineira figurava entre os devedores de Coroa ou estava sendo
perseguida por suas vinculações com o contrabando praticado na região. Outros
setores da sociedade também seriam atingidos pelo tributo.
Aproveitando-se desse
clima, proprietários de terras e de minas, letrados e membros da administração
colonial envolveram-se numa conspiração que pretendia assassinar o governador e
tornar Minas Gerais uma república independente. Além disso, cogitava-se criar
uma universidade em Vila
Rica ( seria a primeira nas terras americanas conquistadas
por Portugal), desenvolver a manufatura (limitada até então pelo pacto
colonial), libertar os escravos da capitania nascidos no Brasil, perdoar todas
as dívidas atrasadas, transferir a capital de Vila Rica para São João del-Rei,
e criar uma guarda nacional composta por todos os cidadãos.
Os planos começaram a
ser elaborados em uma reunião, em dezembro de 1788, na casa de Francisco de
Paula Freire Andrade, o comandante militar da capitania. Os revoltosos marcaram
o início da rebelião para fevereiro de 1789, quando imaginavam seria cobrada a
derrama. No entanto nesse entretempo, diante da insatisfação geral, o
governador tomou a decisão de suspender a derrama, que foi oficialmente
comunicada em 14 de março de 1789. Alívio para grande parte dos mineiros, que
desse modo escaparam à pesada
tributação. Ainda assim, um grupo de endividados teria de honrar seus
compromissos. Eram os contratadores, homens que compravam da Coroa o direito de
cobrar alguns impostos (o dízimo da Igreja e os tributos de importação de
mercadorias ) por determinado tempo. Entre esses figurava Joaquim Silvério dos
Reis, que, ao saber da suspensão da derrama, procurou uma outra forma de
aliviar seus débitos. Denunciando seus companheiros no dia 15 de março de 1789,
ele esperava ter suas dívidas perdoadas.
O Visconde de
Barbacena comunicou os fatos ao Vice-rei, Luís de Vasconcelos e Sousa, no Rio
de janeiro, que instituiu uma devassa para apurá-los. Imediatamente foi preso
um dos conspiradores, Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes,
que, além de alferes, era uma espécie de dentista da região. O mais entusiasta
propagandista da independência não pertencia à elite colonial. Em seguida,
ocorreram novas prisões e interrogatórios. Os prisioneiros negaram seu
envolvimento na conspiração e muitos delataram seus companheiros. A 4 de julho,
Cláudio Manuel da Costa foi encontrado morto em sua cela. Suicídio, segundo
aversão das autoridades.
Em
janeiro de 1790, Tiradentes resolveu assumir sozinho a iniciativa da rebelião,
apresentando-se como o único líder do movimento. Evidentemente, não era
verdade. O projeto político de independência de Minas Gerais e as idéias
ilustradas e liberais eram produtos de letrados, o que não era o caso de
Tiradentes. No entanto, tal versão servia aos interesses da Coroa e também dos
membros da elite envolvidos na conspiração. Para a metrópole, interessava
caracterizar o movimento como insignificante, chefiado por um simples alferes
inculto. Para a aristocracia mineira, Tiradentes era um excelente pode
expiatório, que retirava dos poderosos a responsabilidade da conspiração. A
hierárquica estrutura do império português produziria então um primeiro acordo
de elites que seria uma das marcas da posterior história brasileira. Por
iniciativa da rainha de Portugal, d. Maria I, conhecida como Maria, a Louca, o
suposto líder do movimento foi condenado à morte por enforcamento e teve seu
corpo esquartejado e exposto para intimidar a população colonial. Numa
extraordinária festa barroca, em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi executado
no Rio de Janeiro. Traidor da monarquia Portuguesa, que desejava separar as
mãos e os pés coloniais da cabeça metropolitana, teve em seu corpo a aplicação
de uma pena exemplar. Para os demais envolvidos, pena de degredo na África. A
Metrópole bania os demônios coloniais para o outro lado do Atlântico, pois o
sistema colonial já não funcionava mais como o purgatório dos brancos.
Leitura
complementar
O mito do herói nacional
Tratar de Tiradentes, apesar das dificuldades e riscos,
é sempre interessante. Foi o herói mais votado na pesquisa feita entre
estudantes, e quase certamente o seria num plebiscito nacional. Nele, a história
que as pessoas chamam real ou verdadeira confunde-se com a tradição que
alimenta o imaginário popular ( . . . ).
Tira-dentes, herói nacional: um homem que só deu certo
depois de morto. Aí talvez a razão maior da identidade, num lugar onde a vida
reserva poucas esperanças de sucesso. Além do exemplo e do conselho que se
espera do herói, uma grande vingança. . .
Do rosto de Tiradentes pouco se sabe. Sumiu com a
cabeça, que a mando das autoridades foi separada do corpo; quando os olhos que
o viram vivo também deixaram de ver. Por isso, cada um tratou de criar seu
próprio Tiradentes, havendo quem o veja como imponente oficial e quem o
apresente assemelhado a Jesus Cristo. Há ainda quem pesquise para recuperar
suas feições verdadeiras: Elifas Andreato, na capa de um disco, apresenta uma
espécie de retrato-falado, onde o herói aparece meio vesgo, de olhos
empapuçados, nariz achatado, barbas e cabelos longos, além de um ar de boêmio
fanfarrão, muito de acordo com as descrições que se tem dele, por sinal.
Talvez haja vantagem nisso, mas o mito começa a
dissolver quando desvendado: o habitat do herói é a imaginação, e cada um deve
vê-lo (senti-lo) com seus próprios olhos. Não há retrato de Tiradentes, a não ser
o que as palavras desenham, as palavras dizem principalmente: “por aqui passava
um homem...”
(MICELI, Paulo. O Mito do Herói Nacional. São Paulo,
Contexto, 1988. p 41)
Conjuração
Baiana
Em 1761, com a mudança
da sede do Governo Geral para o Rio de Janeiro, a Capitania da Bahia perdeu sua
importância política, apesar de continuar desenvolvendo-se economicamente e a
manter seu crescimento, graças ao comércio estrangeiro bastante intenso. Entretanto,
não houve melhoria nas condições de vida da população. O renascimento agrícola,
que se verificou a partir de 1770, beneficiou apenas os senhores de engenho e
os grandes comerciantes agravando, ainda mais, as contradições sociais.
Contava a Capitania
com uma população de aproximadamente 50 mil habitantes, a maioria composta por
escravos negros ou alforriados, pardos e mulatos, homens livres e pobres que
desempenhavam atividades manuais consideradas desprezíveis pelas elites
dominantes.
Essa população pobre,
negra, branca e mestiça, sofria com o aumento do custo de vida, com a escassez
de alimentos e com o preconceito racial. As agitações eram constantes. Entre
1797 e 1798 ocorreram vários saques aos armazéns do comércio de Salvador, e até
os escravos que levavam a carne para o general-comandante foram assaltados. A
população faminta roubava carne e farinha. Em inícios de 1798, a forca, símbolo do
poder colonial, foi incendiada. O descontentamento crescia também nos quartéis,
onde incidentes envolvendo soldados e oficiais tornavam-se freqüentes. Havia,
portanto, nesse clima tenso, condições favoráveis para a circulação das idéias
de Igualdade, Liberdade e Fraternidade.
Governava a Bahia D.
Fernando José de Portugal, que já em 1792 tinha sido advertido sobre os perigos
da introdução dos princípios revolucionários que se tinham desenvolvido na
França. Notícias da própria Capitania chegavam a Lisboa denunciando a situação
inquietante e a agitação da população, fazendo com que se recomendasse ao
Governador maior vigilância contra a propagação das "infames idéias
francesas."
"As
Infames Idéias Francesas"
Apesar do empenho em
contrário das autoridades portuguesas, as "infames idéias francesas"
não demoraram a atravessar o Atlântico. Ao porto de Salvador, o mais
movimentado no período colonial, chegavam os novos ideais. O Governo português
tentava impedir a entrada de livros contendo as idéias revolucionárias, mas
apesar de toda a vigilância, livros, folhetos e documentos circulavam
clandestinamente, algumas vezes trazidos por estudantes brasileiros que
retornavam de estudos em universidades da Europa.
Em 1796, a estadia do francês
Larcher, na Bahia, contribuiu para a difusão das idéias revolucionárias.
Encarregado de vigiá-lo, o tenente Hermógenes de Aguilar Pantoja, além de
aderir a seus ideais, apresentou-o a baianos ilustres. Nos serões realizados na
casa do farmacêutico João Ladislau Figueiredo e Melo, na Barra, Larcher
discutia o pensamento dos filósofos iluministas com o padre Francisco Agostinho
Gomes, com o senhor de engenho Inácio Siqueira Bulcão, com o cirurgião Cipriano
Barata, com o professor e poeta Francisco Muniz Barreto e outros membros da
sociedade baiana.
No ano seguinte, em
julho, na mesma casa em que ocorreram as reuniões com Larcher, foi fundada a
loja maçônica Cavaleiros da Luz, onde eram lidos os livros de Rousseau, e
outras obras de iluministas franceses. A princípio, essas idéias circulavam
apenas entre os letrados, mas logo começaram a se propagar entre as camadas
mais humildes da população como soldados, alfaiates, mulatos, negros escravos
ou libertos. Para essa população, vítima de preconceito racial e sujeita a
muitas restrições que a impediam de ocupar determinados cargos e de ascender
socialmente, os ideais republicanos tiveram profunda repercussão. Enquanto a
elite intelectual conspirava em suas casas e em sociedades secretas, os homens
pobres o faziam, murmurando nas ruas. Por meio de manuscritos contendo a
tradução dos livros dos enciclopedistas franceses, de boletins, e de conversas,
as novas idéias espalhavam-se.
Aos poucos o movimento
escapou das mãos da elite, adquirindo um caráter popular e social. A marca
popular diferenciou a Conjuração Baiana da Mineira. Os alfaiates João de Deus
do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos, aliados aos soldados Lucas Dantas
de Amorim e Luís Gonzaga das Virgens, passaram a pregar a República, que traria
a igualdade para todos. A Monarquia significava opressão, como afirmava um dos
boletins em que os conjurados diziam: "Povo que viveis flagelados com o
pleno poder do indigno coroado, esse mesmo rei que vós criastes; esse mesmo rei
tirano é o que se firma no trono para vos deixar, para vos roubar e para vos
maltratar."
No entanto, as idéias
de Liberdade e de Igualdade não eram vistas da mesma maneira por todos os
envolvidos na Conjuração. Para a elite branca colonial liberdade significava o
não pagamento de tributos, o fim do monopólio comercial e a independência de
Portugal. Membros da classe proprietária de escravos e de terras não desejavam
o fim da escravidão, retraindo-se à medida que a idéia de uma República
igualitária crescia entre as camadas pobres. Notícias da revolução no Haiti,
onde a luta passara dos colonos europeus aos mestiços e negros, assustaram os
grandes proprietários, ainda mais que, na Bahia, a população de cor negra
correspondia a 80% dos habitantes da Capitania. Para a massa popular a
liberdade era a igualdade de direitos para todos, o fim do preconceito de raça
e cor e dos privilégios. Segundo o historiador István Jancsó, "a liberdade
era tida por condição de igualdade", o que implicava no fim da escravidão
e da subordinação colonial.
A igualdade de
direitos para todos, aspiração dos conjurados baianos, aparece em vários
escritos como, por exemplo, no ofício enviado ao Governo pelo soldado Luís
Gonzaga das Virgens, preterido numa promoção: ... "o suplicante é um
indivíduo da classe dos referidos desgraçados, tem a mágoa, a mágoa
inconsolável, de ver subir aqueles que nada mais têm, que a cor branca."
A
Repressão da Coroa Portuguesa
No dia 12 de agosto de
1798, os baianos foram surpreendidos com manifestos manuscritos afixados nas
paredes e muros das casas, igrejas e lugares públicos de Salvador. Eles
anunciavam a chegada da Liberdade e da Revolução. "Animai-vos Povo
Bahiense que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que
todos seremos iguais", apregoava um dos manifestos. Outro boletim -
"Aviso ao Clero e ao Povo Bahiense" - trazia o programa da revolução:
Igualdade de todos perante a Lei, Independência da Capitania, Proclamação da
"República Bahiense", Abolição da Escravidão, Liberdade de Comércio,
aumento do soldo da tropa e protestos contra os altos tributos.
A repressão ao
movimento começou imediatamente. Os manifestos foram arrancados e levados ao
governador, que chegou a receber uma carta dos conjurados pedindo sua adesão. O
primeiro a ser preso foi o escrevente Domingos da Silva Lisboa, cuja letra era
semelhante à dos panfletos. No entanto, novos manuscritos apareceram e as
suspeitas recaíram sobre o soldado Luís Gonzaga das Virgens, conhecido por
gostar de ler e escrever, por seus ofícios enviados às autoridades e por sua
pregação revolucionária. O soldado foi preso e em sua casa foram encontrados
manuscritos de documentos revolucionários e cartas comprometedoras. Preocupados
que Luís Gonzaga não resistisse aos interrogatórios, os outros conjurados
tentaram libertá-lo, mas foram traídos por alguns delatores. Casas foram
invadidas e pessoas torturadas. Pelos manifestos colados nos muros das casas de
Salvador, seiscentos e noventa e nove pessoas estavam envolvidas na
conspiração, mas somente quarenta e nove foram presas, a maioria das classes
populares: alfaiates, sapateiros, soldados, e escravos, todos muito jovens.
Poucos membros da loja maçônica Cavaleiros da Luz foram presos, entre eles:
Cipriano Barata, Moniz Barreto e Aguilar Pantoja, que receberam penas brandas.
A maior parte da elite ilustrada escapou ilesa.
Após as prisões veio a
devassa judicial, que indiciou trinta e quatro réus. Vários deles eram
alfaiates, o que fez com que a Conjuração Baiana ficasse conhecida como
Conjuração dos Alfaiates. Por ordem expressa de D. Maria I, os conjurados foram
punidos severamente. João de Deus Nascimento, Manuel Faustino dos Santos, Lucas
Dantas e Luís Gonzaga das Virgens foram enforcados e esquartejados. Os outros
condenados permaneceram presos ou foram degredados. Os delatores receberam
prêmio por sua lealdade à Coroa.
Manifesto
da Conjuração Baiana
O Poderozo e Magnifico Povo Bahinense
Republicano desta cidade da Bahia Republicana considerando nos muitos e
repetidos latrocínios feitos com os titulos de imposturas, tributos e direitos
que são celebrados por ordem da Rainha de Lisboa, e no que respeita a
inutilidade da escravidão do mesmo povo tão sagrado e Digno de ser livre, com
respeito a liberdade e a igualdade ordena manda e quer que para o futuro seja
feita nesta Cidade e seu termo a sua revolução para que seja exterminado para
sempre o pecimo jugo ruinavel da Europa; segundo os juramentos celebrados por
trezentos noventa e dous Dignissimos Deputados Reprezentantes da Nação em
consulta individual de duzentos oitenta e quatro Entes que adoptão a total
Liberdade Nacional; contida no geral receptaculo de seiscentos setenta e seis
homens segundo o prelo acima referido. Portanto fas saber e da ao prelo que se
axão as medidas tomadas para o socorro Estrangeiro, e progresso do Comercio de
Açucar, Tabaco e pau brazil e todos os mais gêneros de negocio e mais viveres;
com tanto que aqui virão todos os Estrangeiros tendo porto aberto, mormente a
Nação Franceza, outrosim manda o Povo que seja punido com pena vil para sempre
todo aquele Padre regular e não regular que no pulpito, confecionario,
exortação, conversação, por qualquer forma, modo e maneira persuadir aos
ignorantes, fanaticos e ipocritas; dizendo que he inutil a liberdade Popular;
também será castigado todo aquele homem que cair na culpa dita não havendo
isenção de qualidade para o castigo. Quer o Povo que todos os Membros militares
de Linha, milícias e ordenanças; homens brancos, pardos e pretos, concorrão
para a Liberdade Popular; manda o Povo que cada hum soldado perceba de soldo
dous tustõens cada dia, além das suas vantagens que serão relevantes. Os
oficiais terão aumento de posto e soldo, segundo as Dietas: cada hum indagará
quaes sejão os tiranos opostos a liberdade o estado livro do Povo para ser
notado. Cada hum deputado exercerá os actos da igreja para notar qualquer seja
o sacerdote contrario a liberdade. O Povo será livre do dispotismo do rei
tirano, ficando cada hum sujeito as Leis do novo Codigo e reforma de
formulário: será maldito da sociedade Nacional todo aquele ou aquela que for
inconfidente a Liberdade coherente ao homem, e mais agravante será a culpa
havendo dolo ecleziastico; assim seja entendido alias....
O Povo
O LIBERALISMO E SEUS LUGARES
Introdução
A
|
As idéias liberais no Brasil têm suas
origens ainda no século XVIII, que se solidificam nos movimentos anticoloniais
em Minas (Inconfidência mineira – 1789) e na Bahia (Conjuração Baiana – 1798),
tais idéias ganharam maior força na Revolução Pernambucana de 1817. O
liberalismo no Brasil tem sua morfologia bastante peculiar em comparação ao
liberalismo elaborado na Europa, é marcado por grandes variações e assume novas
determinações nos diferentes fenômenos históricos que vem desde o Brasil
colonial até o final do Segundo Reinado.
O objetivo deste trabalho é evidenciar que
não houve no Brasil “um liberalismo”, o que existiu nestas terras foram ”Liberalismos”,
em seus tempos e lugares com suas especificidades próprias; que vai do
liberalismo “heróico” dos movimentos anticoloniais no final século XVIII e
início do XIX ao liberalismo “regressista” que será a marca do período
regencial e base de sustentação ideológica no golpe da maioridade que levará a
conformação do Segundo Reinado.
A especificidade do liberalismo brasileiro
VIOTTI,Emillia. “Da Monarquia à República:
Momentos Decisivos”
Na
Europa, ideologia burguesa voltada contra as instituições do Antigo Regime, os
excessos do poder real, os privilégios da nobreza, os entraves do feudalismo à
formação do mercado interno, o liberalismo, no Brasil, não se apoiou nas mesmas
bases, nem teve os mesmos objetivos. Os princípios liberais importados não se
forjaram na luta da burguesia contra a aristocracia e a realeza, nem evoluíram,
como na Europa do século XIX, em função da revolução industrial, pois esta só
ocorreria no Brasil no século XX. Seus limites, portanto, não seriam definidos
no século XIX, pela revolução industrial e pelas reivindicações do proletariado
urbano, como ocorreu do outro lado do Atlântico nos paises mais desenvolvidos,
mas pela presença da escravidão e pela sobrevivência das estruturas arcaicas de
produção. Para a compreensão do liberalismo brasileiro é essencial indagar do
seu significado específico, pois atrás de fórmulas aparentemente idênticas às
do liberalismo europeu existe uma realidade histórica distinta que lhe confere
sentido próprio: a de um país colonial e dependente inserido dentro dos quadros
do sistema capitalista.
No
Brasil, os adeptos do liberalismo pertencem em geral, nos primeiros tempos, às
categorias rurais ou à sua clientela. A situação colonial do país confere um
sentido específico às lutas liberais. Na primeira fase, o liberalismo é, antes
de tudo, instrumento de luta contra a Metrópole. Os liberais se opõem à Coroa
portuguesa na medida em que esta se identifica com a Metrópole. A luta contra o
absolutismo é, aqui, em primeiro lugar, luta contra o sistema colonial. A luta
pela liberdade e pela igualdade é a luta contra os monopólios, os privilégios e
as restrições que a Metrópole impõe à livre produção e circulação,
principalmente as restrições comerciais que obrigam os brasileiros a comprar e
vender através de Portugal, na dependência dos mercadores portugueses; luta
contra as exações do fisco, os entraves da justiça distante e arbitrária;
contra o monopólio dos cargos e distinções pelos naturais de Portugal; luta,
enfim, contra as instituições prejudiciais aos proprietários de terras ou a
seus prepostos ligados à economia de exportação, que, ao lado dos mercadores,
constituíam o grupo mais poderoso da sociedade colonial.
Dentro
desse contexto reivindicava-se a liberdade de pensamento e de expressão,
entendendo-a como liberdade de denunciar o Pacto Colonial. O liberalismo
expressa nessa fase o desejo de auto-governo: a aspiração a um governo livre de
ingerências estranhas, independente dos favores e das imposições da coroa
portuguesa.
Essas
aspirações ganharam força à medida que o desenvolvimento da colônia de um lado
e, de outro, a revolução industrial e o desenvolvimento do capitalismo
industrial na Europa tornaram cada vez mais vez mais inadequado o sistema
colonial tradicional baseado no principio do monopólio. Os “portugueses do
Brasil”, que até então viam na Coroa portuguesa a mediadora dos conflitos entre
vários grupos (mercadores e plantadores, colonos e jesuítas, burocratas e
plantadores), perceberam, cada vez mais claramente, os antagonismos que os
separavam da Metrópole. A Coroa deixou de representar a seus olhos os
interesses de todos para representar apenas os interesses dos “portugueses de
Portugal”.
A
tomada de consciência necessária à ação dos colonos em favor da emancipação dos
laços coloniais dar-se-ia através de um lento processo em que nem sempre os
significados eram claramente percebidos pelos colonos que se insurgiam contra o
poder da Coroa, manifestando sua repulsa às restrições à importação de
escravos, aos impedimentos postos pela Coroa ao livre comércio e circulação dos
produtos ou aos excessos do fisco. Os conflitos de interesse, as sublevações e
as repressões violentas revelariam progressivamente alguns setores da sociedade
o antagonismo latente. “Quando os proprietários de terras, o clero, os
funcionários e aleite recrutada nesses meios até então comprometidos com o
sistema colonial se antagonizaram com o sistema, os princípios liberais
aparecem como justificativa teórica dos movimentos revolucionários, em prol da
emancipação política do país.”
Texto complementar
Romanceiro da
Inconfidência é uma coletânea de poemas da escritora brasileira Cecília Meireles, publicada em 1953, que conta a História de Minas dos inícios da
colonização no século XVII até a Inconfidência Mineira, revolta ocorrida em fins
do século XVIII na então Capitania de Minas Gerais.Em 85 "romances",mais quatro "cenários" e outros de prólogo e êxodo, Cecília evoca primeiro a escravidão dos africanos na região central do planalto em episódios da exploração do ouro e dos diamantes no século 18; logo o centro da coletânea é dedicado ao destino dos heróis da chamada "Inconfidência Mineira" - Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga, sua noiva e amada Marília de Dirceu bem como de outras figuras históricas implicadas no acontecimento, como D. Maria I a louca, na altura Rainha de Portugal.
Mais lírica do que narrativa, a obra assume o lado dos derrotados (transformados depois em heróis da Independência do Brasil) denunciando o sistema colonial que favorece a exploração dos desvalidos:
A terra tão rica
e – ó almas inertes! –
o povo tão pobre...
Ninguém que proteste! (...) (in: Do animoso
Alferes, Romance XXVII)
Estes branquinhos do Reino
nos querem tomar a terra:
porém, mais tarde ou mais cedo,
os deitamos fora dela. (in: 'Do sapateiro
Romance XLII)
A reinterpretação
da história serve no entanto de ponto de partida para uma reflexão filósofica e
metafísica sobre a condição humana. Surgindo Tiradentes como um avatar de
Cristo e sofrendo o sacrifício do bode expiatório, ele se torna num redentor do
Brasil, que abriria a nova era da liberdade. "Construindo com o Romanceiro
da inconfidência um mosaico em que cristalizariam vibrações captadas na
terceira margem da memória coletiva, Cecília consolidava uma teia de mitos
suscetíveis de fortalecer o sentimento da identidade brasileira"(Uteza,
2006 : p. 294).(MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.UTEZA, Francis, "A tradição Hermética do Ocidente em Romanceiro da Inconfidência", in Oriente e Ocidente na poesia de Cecília Meireles, Porto Alegre : Libretos, 2006, pp. 152-310.)
Curiosidades
- Na primeira noite em que a
cabeça de Tiradentes foi exposta em Vila Rica, foi furtada, sendo o seu
paradeiro desconhecido até aos nossos dias.
- Tratando-se de
uma condenação por inconfidência (traição à Coroa), os sinos das igrejas
não poderiam tocar quando da execução. Afirma a lenda que, mesmo assim, no
momento do enforcamento, o sino da igreja local soou cinco badaladas.
- A casa de
Tiradentes foi arrasada, o seu local foi salgado para que mais nada ali
nascesse, e as autoridades declararam infames todos os seus descendentes.
- Tiradentes
jamais teve barba e cabelos grandes. Como alferes, o máximo permitido pelo
Exército Português seria um discreto bigode. Durante o tempo que passou na
prisão, Tiradentes, assim como todos os presos, tinha periodicamente os
cabelos e a barba aparados, para evitar a proliferação de piolhos, e,
durante a execução estava careca com a barba feita, pois o cabelo e a
barba poderiam interferir na ação da corda.
Atividade
01) A produção de açúcar no Brasil colonial:
a)
Possibilitou o povoamento e a ocupação de todo o território nacional,
enriquecendo grande parte da população.
b) Praticada por grandes, médios
e pequenos lavradores, permitiu a formação de uma sólida classe média rural;
consolidou no Nordeste uma economia baseada no latifúndio monocultor e
escravocrata que atendia aos interesses do sistema econômico português.
c)
Consolidou, no Nordeste, uma economia baseada no latifúndio monocultor e
escravocrata que atendia aos interesses do sistema econômico português.
d) Desde o início garantiu o
enriquecimento da região Sul do país e foi a base de sua hegemonia econômica na
república.
e)
Não exigindo muitos braços, desencorajou a importação, liberando capitais
para atividades mais lucrativas.
02)Na engrenagem do sistema
mercantilista de colonização do Brasil, fez-se opção pela mão de obra africana
porque o tráfico negreiro:
a)
Contribuía para o apresamento indígena como negócio interno da colônia.
b) Atendia as pressões exercidas
pelos ingleses em relação à troca da produção açucareira pelo fornecimento de
negros .
c)
Estimulava a utilização de mão de obra de fácil acesso e baixa
rentabilidade econômica.
d) Abria novo e importante setor
de comércio para os mercadores metropolitanos.
e)
Era elemento fundamental no processo de expansão econômica do mercado
interno brasileiro.
03)As
colônias eram uma das mais importantes fontes de riquezas das quais as
monarquias nacionais européias lançavam mão para se consolidar como Estado
forte e centralizados. Sobre o Brasil-Colônia é correto afirmar:
a)
Na sociedade
colonial brasileira, existiram relações feudais de produção, especialmente na
submissão das populações nativas.
b)
Entre as
atividades voltadas para exportação estava a pecuárias, que abastecia as
diferentes regiões brasileiras e a metrópole.
c)
A administração
colonial era descentralizada, cabendo às Câmaras Municipais governar o país.
d)
No séc. XVIII, a
região de Minas Gerais iria sofrer um declínio populacional devido às
restrições feitas por Portugal, que temia perder o controle da lavra e da
fundição do ouro.
e)
Com a
cana-de-açúcar ocorreu efetivamente o processo de povoamento e de instalação da
estrutura político-administrativa portuguesa, no Brasil.
04)Essa primazia acentuada da vida rural concorda bem
com o espírito da dominação portuguesa, que renunciou a trazer normas
imperativas e absolutas, que cedeu todas as vezes que as conveniências
imediatas aconselharam a ceder, que cuidou menos em construir, planejar ou
plantar alicerces, do que em feitorizar uma riqueza fácil e quase ao alcance da
mão.” (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes
do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p,61.)
Este
texto nos remete a algumas características das primeiras fases da colonização
portuguesa no Brasil, entre as quais podemos assinalar:
a)
A atividade
mineira, com a descoberta das minas de ouro ainda no século XVI, e a construção
planejada das cidades.
b)
A grande
agricultura de exportação, criando cidades como simples entrepostos de comércio
para a metrópole, e a intensa exploração da mão-de-obra.
c)
A racionalidade
urbana, com as plantas das cidades cuidadosamente planejadas a partir do modelo
de Lisboa, e a atividade agrícola intensiva.
d)
A cultura do café,
baseada no trabalho escravo, e a manufatura do açúcar, empreendida com trabalho
livre.
e)
A implementação de
uma ampla política de colonização no Brasil, com a introdução de escolas e
universidades e a criação de centros de formação profissional para o trabalho
nos engenhos.
05)(Unaerp-SP) Em 1534, o governo português concluiu
que a única forma de ocupação do Brasil seria através da colonização. Era
necessário colonizar simultaneamente, todo extenso território brasileiro. Essa colonização dirigida pelo governo
português se deu através da:
a)
Criação da
Companhia Geral do Comércio do Estado do Brasil.
b)
Criação do Sistema
de governo-geral e câmaras municipais
c)
Criação das
capitanias hereditárias.
d)
Montagem do
sistema colonial.
e)
Criação e
distribuição das sesmarias.
06)(Cesgranrio-RJ) “O senhor de engenho é título a que
muitos aspiram, para traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de
muito.” O comentário de Antonil, escrito
no século XVIII, pode ser considerado característico da sociedade
colonial brasileira porque:
a)
A condição de
proprietário de terras e de homens garantia a preponderância dos senhores de
engenho na sociedade colonial.
b)
A autoridade dos
senhores restringia-se aos seus escravos, não se impondo às comunidades
vizinhas e a outros proprietários menores.
c)
As dificuldades de
adaptação às áreas colônias levaram os europeus a organizar uma sociedade com
mínima diferenciação e forte solidariedade entre seus segmentos.
d)
As atividades dos
senhores de engenho não se limitavam à agroindústria, pois controlavam o
comércio de exportação, o tráfico negreiro e a economia de abastecimento.
e)
O poder político
dos senhores de engenho era assegurado pela metrópole através da sua designação
para os mais altos cargos da administração colonial.
07)“Cada soldado é cidadão,
sobretudo os homens pardos e pretos, que vivem escorraçados e abandonados.
Todos serão iguais, não haverá diferenças; só haverá liberdade, igualdade e
fraternidade.” (Manifesto afixado em Salvador, em 12.8.1789).
Todas as afirmativas
referem-se à Conjuração Baiana, EXCETO:
a) Planejava a abolição da escravidão,
reflexo da participação, no movimento, dos setores mais humildes da população.
b) Possuía um ideal emancipacionista e
republicano, nos moldes pregados pelos teóricos do iluminismo europeu.
c) Possuía um caráter nacional, tendo sido
enviados embaixadores a outras províncias.
d) Defendia a nacionalização do comércio e
a liberdade comercial.
08)
- (UFBA) Um aspecto que diferencia a
Conjuração Mineira de 1789 da Conjuração Baiana de 1798 é que a última.
a) Representou, pela primeira vez na
História do Brasil, um movimento de caráter republicano.
b) Preocupou-se mais com os aspectos
sociais, a liberdade do povo e do trabalho.
c) Apresentou, pela primeira vez, planos
políticos e ideológicos.
d) Representou o primeiro movimento apoiado
por grupos de intelectuais.
e) Tinha caráter de protesto contra certas
medidas do governo, sem pretender a separação de Portugal.