TOM SILVA - HISTORIA


A Inconfidência Mineira
Muito mais que uma luta entre o bem e o mal, a Inconfidência Mineira foi a primeira tentativa de rompimento dos laços com a Metrópole portuguesa. Enriquecidos pelas atividades mineradoras na primeira metade do século XVIII, os habitantes de Minas Gerais viam-se agora às voltas com a queda da extração de ouro e pedras preciosas e as constantes ameaças de cobrança de tributos atrasados, o que opunha cada vez mais o poder metropolitano aos interesses coloniais. Para Portugal, era necessário recompor as finanças imperiais, abaladas na segunda metade do século XVIII. Para os colonos, tornava-se difícil pagar as 100 arrobas anuais de ouro, valor estipulado pela Coroa portuguesa como tributo da capitania. As dívidas aumentavam na mesma proporção das ameaças. Nessa situação, o confronto era inevitável. Paralelamente, muitos jovens, filhos da aristocracia local, foram enviados às universidades européias, onde tomaram contato com as “perigosas” idéias ilustradas e liberais. Alguns deles retornarem trazendo informações sobre a recém-criada república norte-americana.
Em 1788 a Coroa nomeou Luís Antônio Fortunato de Mendonça, Visconde de Barbacena, para o governo de Minas Gerais. O novo governador recebeu ordens expressas de estabelecer a derrama, ou seja, a cobrança das 100 arrobas anuais devidas à Metrópole, que recaída sobre todos os habitantes da capitania. O anúncio das novas medidas acirrou os ânimos e aprofundou a insatisfação vigente. Grande parte da elite econômica e intelectual mineira figurava entre os devedores de Coroa ou estava sendo perseguida por suas vinculações com o contrabando praticado na região. Outros setores da sociedade também seriam atingidos pelo tributo.
Aproveitando-se desse clima, proprietários de terras e de minas, letrados e membros da administração colonial envolveram-se numa conspiração que pretendia assassinar o governador e tornar Minas Gerais uma república independente. Além disso, cogitava-se criar uma universidade em Vila Rica ( seria a primeira nas terras americanas conquistadas por Portugal), desenvolver a manufatura (limitada até então pelo pacto colonial), libertar os escravos da capitania nascidos no Brasil, perdoar todas as dívidas atrasadas, transferir a capital de Vila Rica para São João del-Rei, e criar uma guarda nacional composta por todos os cidadãos.
Os planos começaram a ser elaborados em uma reunião, em dezembro de 1788, na casa de Francisco de Paula Freire Andrade, o comandante militar da capitania. Os revoltosos marcaram o início da rebelião para fevereiro de 1789, quando imaginavam seria cobrada a derrama. No entanto nesse entretempo, diante da insatisfação geral, o governador tomou a decisão de suspender a derrama, que foi oficialmente comunicada em 14 de março de 1789. Alívio para grande parte dos mineiros, que desse modo escaparam à pesada  tributação. Ainda assim, um grupo de endividados teria de honrar seus compromissos. Eram os contratadores, homens que compravam da Coroa o direito de cobrar alguns impostos (o dízimo da Igreja e os tributos de importação de mercadorias ) por determinado tempo. Entre esses figurava Joaquim Silvério dos Reis, que, ao saber da suspensão da derrama, procurou uma outra forma de aliviar seus débitos. Denunciando seus companheiros no dia 15 de março de 1789, ele esperava ter suas dívidas perdoadas.
O Visconde de Barbacena comunicou os fatos ao Vice-rei, Luís de Vasconcelos e Sousa, no Rio de janeiro, que instituiu uma devassa para apurá-los. Imediatamente foi preso um dos conspiradores, Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, que, além de alferes, era uma espécie de dentista da região. O mais entusiasta propagandista da independência não pertencia à elite colonial. Em seguida, ocorreram novas prisões e interrogatórios. Os prisioneiros negaram seu envolvimento na conspiração e muitos delataram seus companheiros. A 4 de julho, Cláudio Manuel da Costa foi encontrado morto em sua cela. Suicídio, segundo aversão das autoridades.
                Em janeiro de 1790, Tiradentes resolveu assumir sozinho a iniciativa da rebelião, apresentando-se como o único líder do movimento. Evidentemente, não era verdade. O projeto político de independência de Minas Gerais e as idéias ilustradas e liberais eram produtos de letrados, o que não era o caso de Tiradentes. No entanto, tal versão servia aos interesses da Coroa e também dos membros da elite envolvidos na conspiração. Para a metrópole, interessava caracterizar o movimento como insignificante, chefiado por um simples alferes inculto. Para a aristocracia mineira, Tiradentes era um excelente pode expiatório, que retirava dos poderosos a responsabilidade da conspiração. A hierárquica estrutura do império português produziria então um primeiro acordo de elites que seria uma das marcas da posterior história brasileira. Por iniciativa da rainha de Portugal, d. Maria I, conhecida como Maria, a Louca, o suposto líder do movimento foi condenado à morte por enforcamento e teve seu corpo esquartejado e exposto para intimidar a população colonial. Numa extraordinária festa barroca, em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi executado no Rio de Janeiro. Traidor da monarquia Portuguesa, que desejava separar as mãos e os pés coloniais da cabeça metropolitana, teve em seu corpo a aplicação de uma pena exemplar. Para os demais envolvidos, pena de degredo na África. A Metrópole bania os demônios coloniais para o outro lado do Atlântico, pois o sistema colonial já não funcionava mais como o purgatório dos brancos.
Leitura complementar
O mito do herói nacional
Tratar de Tiradentes, apesar das dificuldades e riscos, é sempre interessante. Foi o herói mais votado na pesquisa feita entre estudantes, e quase certamente o seria num plebiscito nacional. Nele, a história que as pessoas chamam real ou verdadeira confunde-se com a tradição que alimenta o imaginário popular ( . . . ).
Tira-dentes, herói nacional: um homem que só deu certo depois de morto. Aí talvez a razão maior da identidade, num lugar onde a vida reserva poucas esperanças de sucesso. Além do exemplo e do conselho que se espera do herói, uma grande vingança. . .
Do rosto de Tiradentes pouco se sabe. Sumiu com a cabeça, que a mando das autoridades foi separada do corpo; quando os olhos que o viram vivo também deixaram de ver. Por isso, cada um tratou de criar seu próprio Tiradentes, havendo quem o veja como imponente oficial e quem o apresente assemelhado a Jesus Cristo. Há ainda quem pesquise para recuperar suas feições verdadeiras: Elifas Andreato, na capa de um disco, apresenta uma espécie de retrato-falado, onde o herói aparece meio vesgo, de olhos empapuçados, nariz achatado, barbas e cabelos longos, além de um ar de boêmio fanfarrão, muito de acordo com as descrições que se tem dele, por sinal.
Talvez haja vantagem nisso, mas o mito começa a dissolver quando desvendado: o habitat do herói é a imaginação, e cada um deve vê-lo (senti-lo) com seus próprios olhos. Não há retrato de Tiradentes, a não ser o que as palavras desenham, as palavras dizem principalmente: “por aqui passava um homem...”
(MICELI, Paulo. O Mito do Herói Nacional. São Paulo, Contexto, 1988. p 41)
               

Conjuração Baiana


Em 1761, com a mudança da sede do Governo Geral para o Rio de Janeiro, a Capitania da Bahia perdeu sua importância política, apesar de continuar desenvolvendo-se economicamente e a manter seu crescimento, graças ao comércio estrangeiro bastante intenso. Entretanto, não houve melhoria nas condições de vida da população. O renascimento agrícola, que se verificou a partir de 1770, beneficiou apenas os senhores de engenho e os grandes comerciantes agravando, ainda mais, as contradições sociais.
Contava a Capitania com uma população de aproximadamente 50 mil habitantes, a maioria composta por escravos negros ou alforriados, pardos e mulatos, homens livres e pobres que desempenhavam atividades manuais consideradas desprezíveis pelas elites dominantes.
Essa população pobre, negra, branca e mestiça, sofria com o aumento do custo de vida, com a escassez de alimentos e com o preconceito racial. As agitações eram constantes. Entre 1797 e 1798 ocorreram vários saques aos armazéns do comércio de Salvador, e até os escravos que levavam a carne para o general-comandante foram assaltados. A população faminta roubava carne e farinha. Em inícios de 1798, a forca, símbolo do poder colonial, foi incendiada. O descontentamento crescia também nos quartéis, onde incidentes envolvendo soldados e oficiais tornavam-se freqüentes. Havia, portanto, nesse clima tenso, condições favoráveis para a circulação das idéias de Igualdade, Liberdade e Fraternidade.
Governava a Bahia D. Fernando José de Portugal, que já em 1792 tinha sido advertido sobre os perigos da introdução dos princípios revolucionários que se tinham desenvolvido na França. Notícias da própria Capitania chegavam a Lisboa denunciando a situação inquietante e a agitação da população, fazendo com que se recomendasse ao Governador maior vigilância contra a propagação das "infames idéias francesas."

"As Infames Idéias Francesas"

Apesar do empenho em contrário das autoridades portuguesas, as "infames idéias francesas" não demoraram a atravessar o Atlântico. Ao porto de Salvador, o mais movimentado no período colonial, chegavam os novos ideais. O Governo português tentava impedir a entrada de livros contendo as idéias revolucionárias, mas apesar de toda a vigilância, livros, folhetos e documentos circulavam clandestinamente, algumas vezes trazidos por estudantes brasileiros que retornavam de estudos em universidades da Europa.
Em 1796, a estadia do francês Larcher, na Bahia, contribuiu para a difusão das idéias revolucionárias. Encarregado de vigiá-lo, o tenente Hermógenes de Aguilar Pantoja, além de aderir a seus ideais, apresentou-o a baianos ilustres. Nos serões realizados na casa do farmacêutico João Ladislau Figueiredo e Melo, na Barra, Larcher discutia o pensamento dos filósofos iluministas com o padre Francisco Agostinho Gomes, com o senhor de engenho Inácio Siqueira Bulcão, com o cirurgião Cipriano Barata, com o professor e poeta Francisco Muniz Barreto e outros membros da sociedade baiana.
No ano seguinte, em julho, na mesma casa em que ocorreram as reuniões com Larcher, foi fundada a loja maçônica Cavaleiros da Luz, onde eram lidos os livros de Rousseau, e outras obras de iluministas franceses. A princípio, essas idéias circulavam apenas entre os letrados, mas logo começaram a se propagar entre as camadas mais humildes da população como soldados, alfaiates, mulatos, negros escravos ou libertos. Para essa população, vítima de preconceito racial e sujeita a muitas restrições que a impediam de ocupar determinados cargos e de ascender socialmente, os ideais republicanos tiveram profunda repercussão. Enquanto a elite intelectual conspirava em suas casas e em sociedades secretas, os homens pobres o faziam, murmurando nas ruas. Por meio de manuscritos contendo a tradução dos livros dos enciclopedistas franceses, de boletins, e de conversas, as novas idéias espalhavam-se.
Aos poucos o movimento escapou das mãos da elite, adquirindo um caráter popular e social. A marca popular diferenciou a Conjuração Baiana da Mineira. Os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos, aliados aos soldados Lucas Dantas de Amorim e Luís Gonzaga das Virgens, passaram a pregar a República, que traria a igualdade para todos. A Monarquia significava opressão, como afirmava um dos boletins em que os conjurados diziam: "Povo que viveis flagelados com o pleno poder do indigno coroado, esse mesmo rei que vós criastes; esse mesmo rei tirano é o que se firma no trono para vos deixar, para vos roubar e para vos maltratar."
No entanto, as idéias de Liberdade e de Igualdade não eram vistas da mesma maneira por todos os envolvidos na Conjuração. Para a elite branca colonial liberdade significava o não pagamento de tributos, o fim do monopólio comercial e a independência de Portugal. Membros da classe proprietária de escravos e de terras não desejavam o fim da escravidão, retraindo-se à medida que a idéia de uma República igualitária crescia entre as camadas pobres. Notícias da revolução no Haiti, onde a luta passara dos colonos europeus aos mestiços e negros, assustaram os grandes proprietários, ainda mais que, na Bahia, a população de cor negra correspondia a 80% dos habitantes da Capitania. Para a massa popular a liberdade era a igualdade de direitos para todos, o fim do preconceito de raça e cor e dos privilégios. Segundo o historiador István Jancsó, "a liberdade era tida por condição de igualdade", o que implicava no fim da escravidão e da subordinação colonial.
A igualdade de direitos para todos, aspiração dos conjurados baianos, aparece em vários escritos como, por exemplo, no ofício enviado ao Governo pelo soldado Luís Gonzaga das Virgens, preterido numa promoção: ... "o suplicante é um indivíduo da classe dos referidos desgraçados, tem a mágoa, a mágoa inconsolável, de ver subir aqueles que nada mais têm, que a cor branca."

A Repressão da Coroa Portuguesa

No dia 12 de agosto de 1798, os baianos foram surpreendidos com manifestos manuscritos afixados nas paredes e muros das casas, igrejas e lugares públicos de Salvador. Eles anunciavam a chegada da Liberdade e da Revolução. "Animai-vos Povo Bahiense que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais", apregoava um dos manifestos. Outro boletim - "Aviso ao Clero e ao Povo Bahiense" - trazia o programa da revolução: Igualdade de todos perante a Lei, Independência da Capitania, Proclamação da "República Bahiense", Abolição da Escravidão, Liberdade de Comércio, aumento do soldo da tropa e protestos contra os altos tributos.
A repressão ao movimento começou imediatamente. Os manifestos foram arrancados e levados ao governador, que chegou a receber uma carta dos conjurados pedindo sua adesão. O primeiro a ser preso foi o escrevente Domingos da Silva Lisboa, cuja letra era semelhante à dos panfletos. No entanto, novos manuscritos apareceram e as suspeitas recaíram sobre o soldado Luís Gonzaga das Virgens, conhecido por gostar de ler e escrever, por seus ofícios enviados às autoridades e por sua pregação revolucionária. O soldado foi preso e em sua casa foram encontrados manuscritos de documentos revolucionários e cartas comprometedoras. Preocupados que Luís Gonzaga não resistisse aos interrogatórios, os outros conjurados tentaram libertá-lo, mas foram traídos por alguns delatores. Casas foram invadidas e pessoas torturadas. Pelos manifestos colados nos muros das casas de Salvador, seiscentos e noventa e nove pessoas estavam envolvidas na conspiração, mas somente quarenta e nove foram presas, a maioria das classes populares: alfaiates, sapateiros, soldados, e escravos, todos muito jovens. Poucos membros da loja maçônica Cavaleiros da Luz foram presos, entre eles: Cipriano Barata, Moniz Barreto e Aguilar Pantoja, que receberam penas brandas. A maior parte da elite ilustrada escapou ilesa.
Após as prisões veio a devassa judicial, que indiciou trinta e quatro réus. Vários deles eram alfaiates, o que fez com que a Conjuração Baiana ficasse conhecida como Conjuração dos Alfaiates. Por ordem expressa de D. Maria I, os conjurados foram punidos severamente. João de Deus Nascimento, Manuel Faustino dos Santos, Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens foram enforcados e esquartejados. Os outros condenados permaneceram presos ou foram degredados. Os delatores receberam prêmio por sua lealdade à Coroa.

Manifesto da Conjuração Baiana
O Poderozo e Magnifico Povo Bahinense Republicano desta cidade da Bahia Republicana considerando nos muitos e repetidos latrocínios feitos com os titulos de imposturas, tributos e direitos que são celebrados por ordem da Rainha de Lisboa, e no que respeita a inutilidade da escravidão do mesmo povo tão sagrado e Digno de ser livre, com respeito a liberdade e a igualdade ordena manda e quer que para o futuro seja feita nesta Cidade e seu termo a sua revolução para que seja exterminado para sempre o pecimo jugo ruinavel da Europa; segundo os juramentos celebrados por trezentos noventa e dous Dignissimos Deputados Reprezentantes da Nação em consulta individual de duzentos oitenta e quatro Entes que adoptão a total Liberdade Nacional; contida no geral receptaculo de seiscentos setenta e seis homens segundo o prelo acima referido. Portanto fas saber e da ao prelo que se axão as medidas tomadas para o socorro Estrangeiro, e progresso do Comercio de Açucar, Tabaco e pau brazil e todos os mais gêneros de negocio e mais viveres; com tanto que aqui virão todos os Estrangeiros tendo porto aberto, mormente a Nação Franceza, outrosim manda o Povo que seja punido com pena vil para sempre todo aquele Padre regular e não regular que no pulpito, confecionario, exortação, conversação, por qualquer forma, modo e maneira persuadir aos ignorantes, fanaticos e ipocritas; dizendo que he inutil a liberdade Popular; também será castigado todo aquele homem que cair na culpa dita não havendo isenção de qualidade para o castigo. Quer o Povo que todos os Membros militares de Linha, milícias e ordenanças; homens brancos, pardos e pretos, concorrão para a Liberdade Popular; manda o Povo que cada hum soldado perceba de soldo dous tustõens cada dia, além das suas vantagens que serão relevantes. Os oficiais terão aumento de posto e soldo, segundo as Dietas: cada hum indagará quaes sejão os tiranos opostos a liberdade o estado livro do Povo para ser notado. Cada hum deputado exercerá os actos da igreja para notar qualquer seja o sacerdote contrario a liberdade. O Povo será livre do dispotismo do rei tirano, ficando cada hum sujeito as Leis do novo Codigo e reforma de formulário: será maldito da sociedade Nacional todo aquele ou aquela que for inconfidente a Liberdade coherente ao homem, e mais agravante será a culpa havendo dolo ecleziastico; assim seja entendido alias....
O Povo
O LIBERALISMO E SEUS LUGARES

Introdução
                A

As idéias liberais no Brasil têm suas origens ainda no século XVIII, que se solidificam nos movimentos anticoloniais em Minas (Inconfidência mineira – 1789) e na Bahia (Conjuração Baiana – 1798), tais idéias ganharam maior força na Revolução Pernambucana de 1817. O liberalismo no Brasil tem sua morfologia bastante peculiar em comparação ao liberalismo elaborado na Europa, é marcado por grandes variações e assume novas determinações nos diferentes fenômenos históricos que vem desde o Brasil colonial até o final do Segundo Reinado.
O objetivo deste trabalho é evidenciar que não houve no Brasil “um liberalismo”, o que existiu nestas terras foram ”Liberalismos”, em seus tempos e lugares com suas especificidades próprias; que vai do liberalismo “heróico” dos movimentos anticoloniais no final século XVIII e início do XIX ao liberalismo “regressista” que será a marca do período regencial e base de sustentação ideológica no golpe da maioridade que levará a conformação do Segundo Reinado.

A especificidade do liberalismo brasileiro
VIOTTI,Emillia. “Da Monarquia à República: Momentos Decisivos”
                Na Europa, ideologia burguesa voltada contra as instituições do Antigo Regime, os excessos do poder real, os privilégios da nobreza, os entraves do feudalismo à formação do mercado interno, o liberalismo, no Brasil, não se apoiou nas mesmas bases, nem teve os mesmos objetivos. Os princípios liberais importados não se forjaram na luta da burguesia contra a aristocracia e a realeza, nem evoluíram, como na Europa do século XIX, em função da revolução industrial, pois esta só ocorreria no Brasil no século XX. Seus limites, portanto, não seriam definidos no século XIX, pela revolução industrial e pelas reivindicações do proletariado urbano, como ocorreu do outro lado do Atlântico nos paises mais desenvolvidos, mas pela presença da escravidão e pela sobrevivência das estruturas arcaicas de produção. Para a compreensão do liberalismo brasileiro é essencial indagar do seu significado específico, pois atrás de fórmulas aparentemente idênticas às do liberalismo europeu existe uma realidade histórica distinta que lhe confere sentido próprio: a de um país colonial e dependente inserido dentro dos quadros do sistema capitalista.
                No Brasil, os adeptos do liberalismo pertencem em geral, nos primeiros tempos, às categorias rurais ou à sua clientela. A situação colonial do país confere um sentido específico às lutas liberais. Na primeira fase, o liberalismo é, antes de tudo, instrumento de luta contra a Metrópole. Os liberais se opõem à Coroa portuguesa na medida em que esta se identifica com a Metrópole. A luta contra o absolutismo é, aqui, em primeiro lugar, luta contra o sistema colonial. A luta pela liberdade e pela igualdade é a luta contra os monopólios, os privilégios e as restrições que a Metrópole impõe à livre produção e circulação, principalmente as restrições comerciais que obrigam os brasileiros a comprar e vender através de Portugal, na dependência dos mercadores portugueses; luta contra as exações do fisco, os entraves da justiça distante e arbitrária; contra o monopólio dos cargos e distinções pelos naturais de Portugal; luta, enfim, contra as instituições prejudiciais aos proprietários de terras ou a seus prepostos ligados à economia de exportação, que, ao lado dos mercadores, constituíam o grupo mais poderoso da sociedade colonial.
                Dentro desse contexto reivindicava-se a liberdade de pensamento e de expressão, entendendo-a como liberdade de denunciar o Pacto Colonial. O liberalismo expressa nessa fase o desejo de auto-governo: a aspiração a um governo livre de ingerências estranhas, independente dos favores e das imposições da coroa portuguesa.
                Essas aspirações ganharam força à medida que o desenvolvimento da colônia de um lado e, de outro, a revolução industrial e o desenvolvimento do capitalismo industrial na Europa tornaram cada vez mais vez mais inadequado o sistema colonial tradicional baseado no principio do monopólio. Os “portugueses do Brasil”, que até então viam na Coroa portuguesa a mediadora dos conflitos entre vários grupos (mercadores e plantadores, colonos e jesuítas, burocratas e plantadores), perceberam, cada vez mais claramente, os antagonismos que os separavam da Metrópole. A Coroa deixou de representar a seus olhos os interesses de todos para representar apenas os interesses dos “portugueses de Portugal”.
                A tomada de consciência necessária à ação dos colonos em favor da emancipação dos laços coloniais dar-se-ia através de um lento processo em que nem sempre os significados eram claramente percebidos pelos colonos que se insurgiam contra o poder da Coroa, manifestando sua repulsa às restrições à importação de escravos, aos impedimentos postos pela Coroa ao livre comércio e circulação dos produtos ou aos excessos do fisco. Os conflitos de interesse, as sublevações e as repressões violentas revelariam progressivamente alguns setores da sociedade o antagonismo latente. “Quando os proprietários de terras, o clero, os funcionários e aleite recrutada nesses meios até então comprometidos com o sistema colonial se antagonizaram com o sistema, os princípios liberais aparecem como justificativa teórica dos movimentos revolucionários, em prol da emancipação política do país.”

                      Texto complementar
Romanceiro da Inconfidência é uma coletânea de poemas da escritora brasileira Cecília Meireles, publicada em 1953, que conta a História de Minas dos inícios da colonização no século XVII até a Inconfidência Mineira, revolta ocorrida em fins do século XVIII na então Capitania de Minas Gerais.
Em 85 "romances",mais quatro "cenários" e outros de prólogo e êxodo, Cecília evoca primeiro a escravidão dos africanos na região central do planalto em episódios da exploração do ouro e dos diamantes no século 18; logo o centro da coletânea é dedicado ao destino dos heróis da chamada "Inconfidência Mineira" - Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga, sua noiva e amada Marília de Dirceu bem como de outras figuras históricas implicadas no acontecimento, como D. Maria I a louca, na altura Rainha de Portugal.
Mais lírica do que narrativa, a obra assume o lado dos derrotados (transformados depois em heróis da Independência do Brasil) denunciando o sistema colonial que favorece a exploração dos desvalidos:
A terra tão rica
e – ó almas inertes! –
o povo tão pobre...
Ninguém que proteste! (...) (in: Do animoso Alferes, Romance XXVII)
Estes branquinhos do Reino
nos querem tomar a terra:
porém, mais tarde ou mais cedo,
os deitamos fora dela. (in: 'Do sapateiro Romance XLII)
A reinterpretação da história serve no entanto de ponto de partida para uma reflexão filósofica e metafísica sobre a condição humana. Surgindo Tiradentes como um avatar de Cristo e sofrendo o sacrifício do bode expiatório, ele se torna num redentor do Brasil, que abriria a nova era da liberdade. "Construindo com o Romanceiro da inconfidência um mosaico em que cristalizariam vibrações captadas na terceira margem da memória coletiva, Cecília consolidava uma teia de mitos suscetíveis de fortalecer o sentimento da identidade brasileira"(Uteza, 2006 : p. 294).
(MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.UTEZA, Francis, "A tradição Hermética do Ocidente em Romanceiro da Inconfidência", in Oriente e Ocidente na poesia de Cecília Meireles, Porto Alegre : Libretos, 2006, pp. 152-310.)
                             Curiosidades
  • Na primeira noite em que a cabeça de Tiradentes foi exposta em Vila Rica, foi furtada, sendo o seu paradeiro desconhecido até aos nossos dias.
  • Tratando-se de uma condenação por inconfidência (traição à Coroa), os sinos das igrejas não poderiam tocar quando da execução. Afirma a lenda que, mesmo assim, no momento do enforcamento, o sino da igreja local soou cinco badaladas.
  • A casa de Tiradentes foi arrasada, o seu local foi salgado para que mais nada ali nascesse, e as autoridades declararam infames todos os seus descendentes.
  • Tiradentes jamais teve barba e cabelos grandes. Como alferes, o máximo permitido pelo Exército Português seria um discreto bigode. Durante o tempo que passou na prisão, Tiradentes, assim como todos os presos, tinha periodicamente os cabelos e a barba aparados, para evitar a proliferação de piolhos, e, durante a execução estava careca com a barba feita, pois o cabelo e a barba poderiam interferir na ação da corda.
                  Atividade
01) A produção de açúcar no Brasil colonial:
a)        Possibilitou o povoamento e a ocupação de todo o território nacional, enriquecendo grande parte da população.
b)       Praticada por grandes, médios e pequenos lavradores, permitiu a formação de uma sólida classe média rural; consolidou no Nordeste uma economia baseada no latifúndio monocultor e escravocrata que atendia aos interesses do sistema econômico português.
c)        Consolidou, no Nordeste, uma economia baseada no latifúndio monocultor e escravocrata que atendia aos interesses do sistema econômico português.
d)       Desde o início garantiu o enriquecimento da região Sul do país e foi a base de sua hegemonia econômica na república.
e)        Não exigindo muitos braços, desencorajou a importação, liberando capitais para atividades mais lucrativas.

02)Na engrenagem do sistema mercantilista de colonização do Brasil, fez-se opção pela mão de obra africana porque o tráfico negreiro:
a)        Contribuía para o apresamento indígena como negócio interno da colônia.
b)       Atendia as pressões exercidas pelos ingleses em relação à troca da produção açucareira pelo fornecimento de negros .
c)        Estimulava a utilização de mão de obra de fácil acesso e baixa rentabilidade econômica.
d)       Abria novo e importante setor de comércio para os mercadores metropolitanos.
e)        Era elemento fundamental no processo de expansão econômica do mercado interno brasileiro.

03)As colônias eram uma das mais importantes fontes de riquezas das quais as monarquias nacionais européias lançavam mão para se consolidar como Estado forte e centralizados. Sobre o Brasil-Colônia é correto afirmar:
a)        Na sociedade colonial brasileira, existiram relações feudais de produção, especialmente na submissão das populações nativas.
b)       Entre as atividades voltadas para exportação estava a pecuárias, que abastecia as diferentes regiões brasileiras e a metrópole.
c)        A administração colonial era descentralizada, cabendo às Câmaras Municipais governar o país.
d)       No séc. XVIII, a região de Minas Gerais iria sofrer um declínio populacional devido às restrições feitas por Portugal, que temia perder o controle da lavra e da fundição do ouro.
e)        Com a cana-de-açúcar ocorreu efetivamente o processo de povoamento e de instalação da estrutura político-administrativa portuguesa, no Brasil.

04)Essa primazia acentuada da vida rural concorda bem com o espírito da dominação portuguesa, que renunciou a trazer normas imperativas e absolutas, que cedeu todas as vezes que as conveniências imediatas aconselharam a ceder, que cuidou menos em construir, planejar ou plantar alicerces, do que em feitorizar uma riqueza fácil e quase ao alcance da mão.” (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971,  p,61.)
Este texto nos remete a algumas características das primeiras fases da colonização portuguesa no Brasil, entre as quais podemos assinalar:
a)        A atividade mineira, com a descoberta das minas de ouro ainda no século XVI, e a construção planejada das cidades.
b)       A grande agricultura de exportação, criando cidades como simples entrepostos de comércio para a metrópole, e a intensa exploração da mão-de-obra.
c)        A racionalidade urbana, com as plantas das cidades cuidadosamente planejadas a partir do modelo de Lisboa, e a atividade agrícola intensiva.
d)       A cultura do café, baseada no trabalho escravo, e a manufatura do açúcar, empreendida com trabalho livre.
e)        A implementação de uma ampla política de colonização no Brasil, com a introdução de escolas e universidades e a criação de centros de formação profissional para o trabalho nos engenhos.

05)(Unaerp-SP) Em 1534, o governo português concluiu que a única forma de ocupação do Brasil seria através da colonização. Era necessário colonizar simultaneamente, todo extenso território brasileiro.  Essa colonização dirigida pelo governo português se deu através da:
a)        Criação da Companhia Geral do Comércio do Estado do Brasil.
b)       Criação do Sistema de governo-geral e câmaras municipais
c)        Criação das capitanias hereditárias.
d)       Montagem do sistema colonial.
e)        Criação e distribuição das sesmarias.

06)(Cesgranrio-RJ) “O senhor de engenho é título a que muitos aspiram, para traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muito.” O comentário de Antonil, escrito  no século XVIII, pode ser considerado característico da sociedade colonial brasileira porque:
a)        A condição de proprietário de terras e de homens garantia a preponderância dos senhores de engenho na sociedade colonial.
b)       A autoridade dos senhores restringia-se aos seus escravos, não se impondo às comunidades vizinhas e a outros proprietários menores.
c)        As dificuldades de adaptação às áreas colônias levaram os europeus a organizar uma sociedade com mínima diferenciação e forte solidariedade entre seus segmentos.
d)       As atividades dos senhores de engenho não se limitavam à agroindústria, pois controlavam o comércio de exportação, o tráfico negreiro e a economia de abastecimento.
e)        O poder político dos senhores de engenho era assegurado pela metrópole através da sua designação para os mais altos cargos da administração colonial.

07)“Cada soldado é cidadão, sobretudo os homens pardos e pretos, que vivem escorraçados e abandonados. Todos serão iguais, não haverá diferenças; só haverá liberdade, igualdade e fraternidade.” (Manifesto afixado em Salvador, em 12.8.1789).
 
Todas as afirmativas referem-se à Conjuração Baiana, EXCETO:
 
a)       Planejava a abolição da escravidão, reflexo da participação, no movimento, dos setores mais humildes da população.
b)       Possuía um ideal emancipacionista e republicano, nos moldes pregados pelos teóricos do iluminismo europeu.
c)       Possuía um caráter nacional, tendo sido enviados embaixadores a outras províncias.
d)       Defendia a nacionalização do comércio e a liberdade comercial.

08) - (UFBA) Um aspecto que diferencia a Conjuração Mineira de 1789 da Conjuração Baiana de 1798 é que a última.
 
a)      Representou, pela primeira vez na História do Brasil, um movimento de caráter republicano.
b)      Preocupou-se mais com os aspectos sociais, a liberdade do povo e do trabalho.
c)      Apresentou, pela primeira vez, planos políticos e ideológicos.
d)      Representou o primeiro movimento apoiado por grupos de intelectuais.
e)      Tinha caráter de protesto contra certas medidas do governo, sem pretender a separação de Portugal.