Tensões Políticas e Sociais em Atenas
* A política em Atenas passou por diversos processos de
mudanças – sociais culturais e econômicas – antes de tornar-se a tão
referenciada pólis democrática. Iremos abordar a passagem
da pólis aristocrática para a chamada democracia
ateniense, o significado e a importância do processo
denominado stásis.
Inicialmente o paradigma
político, instituído em Atenas, foi a Monarquia em que os chefes tribais (os eupátridas) elegiam entre
si, um rei militar (o basileu)
que detinha “toda a responsabilidade pelas decisões tomadas, acumulando as
funções de chefe militar, político e religioso” (VAN ACKER, 1994). Os demais eupátridas compunham um conselho consultivo do
rei (Areópago). A população não
tinha o direito de intervir nas decisões podendo apenas assistir os debates do
conselho se informando das novas diretrizes.
O meio
de organização político-social monárquico foi substituído por uma aristocracia formada por “magistrados eleitos pela
nobreza de sangue entre seus próprios membros” (CARDOSO, 1993). Isso significa
que o Conselho (areópago),
que antes era consultivo do rei, assumiu as suas atribuições exercendo um
governo, ao mesmo tempo, dos poucos (oligarquia)
e dos melhores (aristocracia).
A partir disso, dentro do areópago, são eleitos três arcontes,
cada um com suas funções definidas sendo: um para política, um para religião e
outro para o militarismo. Mais tarde foram agregados ao arcontado mais seis
magistrados, os tesmótetas,
com a função de decidir questões de importância para a pólis.
No fim do período arcaico (Século
VII) Atenas passou por uma “crise social e
política”. Essa crise é de extrema importância para compreender a democracia
ateniense, pois nesse período se destacam vários eventos que
levaram a sociedade a adquirir diversas características fundamentais para
constituição deste sistema. O historiador Norberto Guarinello demonstra que a stásis foi constituída por processos
diversos, cada um ocorrendo em seu próprio tempo e que as suas consequências
levaram a “quebra do exclusivismo aristocrático e abertura do espaço político
que consolidou a existência das cidades como comunidades coesas”. Os conflitos
sociais, em torno dessa crise, eram a respeito de uma maior participação política em
Atenas e a
“distribuição ou redistribuição dos recursos comunitários”.
De acordo Ciro Flamarion o
ponto inicial dessa crise social e política em Atenas é uma combinação de dois fatores, o
aumento demográfico e a monopolização das terras pela aristocracia eupátrida que levou a uma
crise agrária e sucessivamente o aumento da pobreza. A solução encontrada pela pólis foi a colonização de outros
territórios, como forma de canalizar esse enorme contingente de marginalizados
para fora da cidade, de conquistar novas terras, encontrar outras áreas para o
cultivo e a busca por recursos naturais (como o ferro, por exemplo). Essa
medida trouxe transformações consideráveis para a economia, pois Atenas conseguia suprir o abastecimento de
cereais e diversas outras matérias primas que não produzia. A colonização
resultou em um aumento considerável do comercio, sobretudo, cereais das
colônias e vinho, azeite e cerâmica em Atenas, das oficinas de manufaturas, do
artesanato e do transporte. Além disso, houve um grande desenvolvimento
tecnológico, um forte processo de urbanização e a “multiplicação das poleis
helênicas”, na região do mediterrâneo. Devido a esses fatores, surge um novo
padrão de riqueza (mobiliária) possibilitando a ascensão de novos ricos que,
através da união (casamentos e alianças) com a velha aristocracia passaram a
ter a chance de reivindicar uma maior participação política.
Segundo o autor Guarinello (2003) a guerra,
assim como os Deuses, estava no centro da vida na cidade-estado que eram
“comunidades guerreiras, organizadas para guerra, em luta permanente com seus
vizinhos próximos ou distantes”. Nos tempos mais remotos da civilização grega
as guerras poderiam ser resolvidas em lutas individuais entre dois líderes
militares. Com a adoção do Sistema
Hoplítico de Combate mudanças
importantes aconteceram no âmbito militar. Foram formados exércitos de
infantaria com diversos homens agrupados em formação de batalha. Devido a
diversos fatores, mas principalmente o aumento do número de guerras no período
de colonização e o desenvolvimento de novas tecnologias, o exército que antes
era restrito aos eupátridas passa a recrutar pessoas de outros
grupos sociais. Apesar de aumentar a participação da população, “para adquirir
o armamento de um hoplita era preciso ser pelo menos um camponês médio, com
alguma renda” (C. F. CARDOSO, 1993), ou seja, o guerreiro deveria ser capaz de
se armar, pelo menos uma lança e um escudo, pois o exército não oferecia o
equipamento militar. Isso acarretou em uma maior participação popular na política
em Atenas devido
a posição de status que os militares tinham, principalmente porque a guerra
havia se tornado um negócio fundamental para a manutenção da pólis.
Todos esses processos decorrentes
da stásis levaram,
de modo geral, a uma maior participação social, “daqueles grupos que não eram
dotados de Areté”, na política. Areté é um termo complexo que originou a
palavra aristocracia, simbolizava o valor, a capacidade, a moral, a coragem, a
superioridade “e outras condições intrínsecas ao homem que não o faziam ser
invulgar” (CEDRO, 2008). Este termo se revelou fundamental para entender a
participação política
em Atenas. Com a ascensão desses novos grupos, o aumento das
interações com outras cidades do mediterrâneo e do poder econômico da nova
aristocracia, iniciaram-se várias reivindicações que pressionaram as classes
dominantes a tomar atitudes que amenizassem os “problemas e o caos político que
Atenas mergulhava”. (CEDRO, 2008). Segundo Ciro Flamarion Cardoso, a crise
social foi resolvida apenas parcialmente o que abriu a “possibilidade do
surgimento de um regime político peculiar: a Tirania”. É importante ressaltar que o sentido da tirania antiga é
diferente do moderno em que o termo passa a ser usado de forma pejorativa.
Neste período, surgiram diversos líderes que chegaram ao poder através de
políticas populares e também, do uso da força. Eram os tiranos, magistrados
eleitos que exerceram um governo de tipo pessoal e ilegal, sua legitimidade e
sua base social vinham do fato de proteger os populares contra a classe
dominante através de reformas.
Destacamos nesse texto as reformas
que os Legisladores e tiranos (Drácon, Sólon, Psístrato e Clístenes)
fizeram. Alguns exemplos são: admissão dos hoplítas a cidadania, fim da
escravidão por dívidas, sistema censitário em quatro classes (Timocracia),
transcrição da Ilíada e da Odisseia, terras confiscadas à aristocracia e
redistribuídas à população, Seisachteia, além diversas
outras que em determinada medida tenderam a favorecer a maioria da população.
Também foram criados diversos órgãos públicos como a Boulé (conselho, paralelo ao areópago) e a Helíae.
Através de todas essas reformas, ocorridas por várias décadas, instituiu-se a
democracia política em Atenas. Portanto
percebemos que a política em Atenas não foi algo estático, pelo contrário,
foi um longo processo de transformações em que os fatores políticos sociais e
econômicos são indissociáveis e que os acontecimentos que envolveram a stásis foram fundamentais para a mudança da
pólis aristocrática para uma cidade-estado democrática. Entretanto importante
destacar que a cidadania era algo restrito a minoria da população e que os
pilares da democracia ateniense foram sustentados por meio de um
sistema econômico escravista e pela cultura da guerra de conquista e
colonização de outros territórios.
LEGISLADORES
Drácon – 621 a C. Foi o primeiro
legislador com destaque, sobretudo pelo estabelecimento do 1º Código de Leis escritas. A
publicação do Código atendeu uma das reivindicações populares, mas as leis
Draconianas reuniram as tradições e costumes (Leis consuetudinárias) que apenas
salvo-guardavam os interesses aristocráticos. Observe que explicitamente a
criação de leis escritas quebra o monopólio das leis orais, costumeiramente
interpretada conforme os interesses aristocráticos, mas mantém o controle dos aristoí
sobre os assuntos políticos. Outra característica da lei draconiana era a
severidade, que punia, quase sempre com a morte. A manutenção da ordem política
da polis, associada à severidade, novamente coloca Atenas a beira de uma guerra
civil. E para atenuar o problema, a aristocracia conduz Sólon às reformas
sociais.
A legislatura de Sólon
– 594 a.C.
As reformas de Sólon foram limitadas, não resolveram os conflitos. Sólon era um
aristocrata, homem de alta reputação e igualmente um poeta requisitado, era
também um homem viajado, que, antes ou depois conheceu boa parte do mundo. Em
594 a.C., como arconte, Sólon deu início as suas reformas em meio as grandes
tensões sociais, protesto dos camponeses expropriados.
As principais mudanças:
Estabeleceu o fim do
poder hereditário das linhagens de acesso ao domínio do Estado, eliminado com
um só golpe o poder único da aristocracia, lançando as bases para um luta
política entre categorias sociais distintas (stásis). Aboliu a
tradição da primogenitura, quebrando a base do poder aristocrático, ou seja, a
hereditariedade. Criou uma nova divisão
social (censitária), ou seja, de acordo com a renda dos indivíduos,
para isso usou as chamadas ‘quinhentas medidas’: homens, cavaleiros, saldados e
trabalhadores; respectivamente, pentacosimedinas (500 medidas), cavaleiros (300
medidas), Zeugitas (200 medidas) e Thetas (viviam aproximadamente 59 medidas) –
Alguns autores denominaram o período de Timocracia – Governo de ricos.
Criou o Bule ou
conselho dos quatrocentos, do qual participavam cidadãos eleitos das quatro
tribos em que estava dividida a Ática, cidadãos acima de 30 anos preparavam e
revisavam as leis a serem apresentadas à Eclésia (Assembléia Popular), além de
preparar a sua agenda.
Organizou o Arcontado
como um conselho de Estado (9 Arcontes Magistrados) com cargo de um ano. Os
arcontes eram escolhidos entre quarenta candidatos eleitos que preenchessem
critério de riqueza estabelecida, pertencentes a quatro grupos tribais.
Criou a Eclésia ou
Assembléia popular, constituída por todos os cidadãos e responsável pela
criação das leis, da agenda estabelecida pelo Bule.
Criou o helieu ou
heléia – Tribunal dos Hiliastas – um tribunal de Justiça civil ou penal
composto por 6.000 cidadãos a época clássica, e aberto a todos. Os gregos eram
fascinados por esses júris populares.
Restabeleceu a fixação
de extensão de terra que cada pessoa poderia ter. Restituiu os lotes de terra
que haviam sido tomados pelos ricos junto aos endividados e determinou a
importação de cereais para prevenir a falta de alimentos. Eliminou as hipotecas
por dividas e eliminou a escravidão por dividas, a respeito do assunto, vejamos
o que diz a literatura da época:
“Não houve abolição das dívidas, mas os juros foram
reduzidos e os pobres, aliviados, deram-se por satisfeitos. Deram o nome de ‘Seisachteia’ a esta decisão de
humanidade e a operação comunicante do aumento do peso e das medidas e da
desvalorização monetária. Sólon com efeito, fixou o valor da mina em cem
dracmas, que então era somente setenta e três. Desta maneira, os devedores que
saldavam as dividas entregavam numericamente a mesma quantia, mas, na realidade
davam menos; ganhavam assim bastante, se lesar em nada seus crescente.”
Androtion, fragmento 34 (jacoboy), citado por Plutarco,
Sólon, 15,2. Jr: Pinsky, Jaime. 100 textos de historia antiga. São Paulo
contexto. 1988.
As reformas promovidas
por Sólon desagradaram os aristocratas, que perderam parte de seus privilégios
e o povo que esperava reformas mais profundas. Assim, as tensões sociais
prosseguiram ainda mais evidentes, em virtude da ruína a que foram sujeitos os
trabalhadores agrícolas, pelo predomínio do trabalho escravo em detrimento do
trabalho livre, pelo predomínio da grande propriedade dentre outros problemas
que não foram solucionados pela constituição de Sólon. As tensões sociais
opunham, de um lado cavaleiros (demiurgos) interessados na sua inserção
política e aristocratas eupátridas desejosos em manter seus privilégios de
tradição sobre a terra; do outro, populares, defensores de mudanças radicais,
de melhoria das condições materiais de vida. A conturbação política que se
seguiu permitiu o surgimento dos tiranos.
Tirania. Durante a década de
560 a.C. duas grandes famílias aristocráticas e rivais dominavam o cenário
político ateniense: os Psistrates e os Alcmeônidas; seu status era tanto que se
colocavam acima de si mesmos. Vejamos o que Píndaro, poeta da época, falava:
“Delicados para os cidadãos, prestáveis para os estranhos... que Zeus conceda
modéstia e uma riqueza de doces prazeres”. Foi neste clima que em Atenas e
noutras cidades, surgiram figuras públicas, carismáticas e com grande
popularidade, tomaram o poder, auxiliados por forças militares mercenárias e
acima de tudo com apoio dos demos. A tirania foi um fenômeno político grego, e
não como muitos pensam, ateniense. A espetacular dinastia dos tiranos que
tomaram Corinto aos seus governantes aristocráticos, em meados do século VI,
foi seguida por golpes de Estado bem sucedidos em outros Estados continentais,
Jícion, Mégara e mais tarde Atenas. O governo pela violência e a distribuição
de terras do velho regime aos seus próprios apoiantes foi uma característica
dos tiranos gregos. Alguns tiranos mantinham o poder pagando a uma guarda mercenários.
No final do século VI e no início do V, chefes militares dividiram as cidades
da Magna Grécia entre si, destacando populações inteira como instrumento político.
Mais tarde, os movimentos democráticos desalojaram os tiranos do poder.
• Psístrato como
tirano de Atenas foi enérgico e obteve êxito no exterior, era um administrador
severo. Tornou o Estado eficiente, iniciou a construção de grandes edifícios
públicos, instalou Juízes nos distritos rurais e estabeleceu um imposto de
propriedade para subsidiar os agricultores, que nesta altura voltavam a estar
com dividas. Também incentivou os grandes festivais Panatenaicos, os primeiros
edifícios grandiosos da Acrópole
e a proteção de artistas são características suficientes para que mereça ser
recordado. Simónides e Anacreonte são exemplos de incentivos culturais, pois
reuniram os trabalhos de Homero possibilitando a publicação de suas conhecidas
obras Ilíada e Odisseia. Psístrato também viabilizou trabalhadores para as
minas (No início do século V, os rincões de prata do Láurion começam a dar
resultados, graças a estes metais os atenienses, formaram uma esquadra capaz de
derrotar os persas, assim como o mármore do monte Pentélico, usado no Pártenon
e outros edifícios).
O que podemos observar é que a tirania de
Psístrato reduzia ainda mais o poder da aristocracia fundiária, além de
benefícios aos camponeses com parte das terras confiscada e com crédito para
desenvolver a pequena agricultura. Outro avanço foi o incentivo ao artesanato,
principalmente à cerâmica, permitindo aumento da produção e, portanto a
expansão comercial. O incentivo às obras públicas foi outro destaque, fato que
além de gerar trabalho, embelezou a cidade.
Procurou amenizar os confrontos sociais, mas quando reduz a influência
aristocrática, proporciona condições às massas (Hoplitas e Thetas) de
pressionar, conduzindo os futuros tiranos a medidas mais duras e impopulares,
conduzindo outros líderes a reformas mais profundas que resultariam na
democracia.